sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

De um Tempo de Namoro

Sou do tempo em que namoro começava com um olhar. Olhar que se surpreendia  em descobrir um outro que também o olhava. Essa linha que estabelecia uma ligação invisível entre dois seres. O olhar, a primeira carícia que existia. Sempre buscava o outro olhar que  o encantava. Averiguava, indagava, descobria, acompanhava, apreciava o olhar que olhava. Havia sempre olhares outros que acompanhavam esses olhares trocados. Marcava o encontro. Momento único de olhar que se aproximava do outro olhar. Conhecia-se o outro pela palavra que guardava. A fala e a audição ganhavam seu tempo de delícias. A palavra se tornava outro liame. Pela palavra o afeto se estabelecia. Palavra que desvela um ao outro. Outra etapa que inebriava. O som da voz da pessoa, que antes olhava, tornava-se uma música que não se cansava de ouvir. A entonação, a melodia da voz modulava os encontros, acompanha os sonhos e tornava novidade os dias que se vivia. Esse era o momento do início do namoro, quando a voz e ouvido se encontravam. Passado um tempo em que a palavra se tornava desejada, percebia-se o toque de dedos, mãos que se esbarravam. Eram sensações inefáveis. Ia do enrubescimento à taquicardia. Até o momento em que as mãos se abraçavam. Sentiam a maciez ou a aspereza do toque. Brincavam dedos com dedos. Entrelaçavam-se. Os olhos descobriam as mãos e observavam linhas, aperto... Novamente o tempo se perdia no toque, na carícia que se estabelecia. E cada momento era marcado por uma música que se fazia ouvir.

Era assim que aos poucos o namoro se fazia: carícia de olhares, gestos, toques, som de vozes. O beijo acontecia como se selasse todo esse percurso de descobertas. Era o auge. Tão esperado. Tão sonhado! Acontecia entre olhares, murmúrios, mãos que se tocavam e buscavam o rosto que tanto inebriava. Momento único. sempre lembrado, sobretudo pela menina que vivia esse tempo de novidade e descoberta.

No dia 16/11, serão 45 anos. Sempre comemoramos esse momento da palavra. Foi o dia em que cada um se deu a conhecer pela palavra pronunciada. Início de namoro. E até hoje temos esse hábito de falar um para o outro. Muitas palavras já trocamos. Tantas palavras já ouvimos um do outro! Palavras que nos permitem sempre esperar novos dias, pois certamente haverá ainda muito a dizer, muito ainda será palavrável. 

Nenhum comentário:

Presentes!

Presentes!
Presente no meu aniversário!

O que poetizam... (pra mim e de mim)

Poema

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora, leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros)



E X A U S T O


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente
Muito mais que raízes.

(Adélia Prado)

Poema de Mario Quintana em A cor do invisivel

Há três coisas cujo gosto não sacia
o pão, á água e o doce nome de Maria.


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

(Elizabeth Bishop)

Die Liebenden
Friedrich Hölderlin

Trennen wollten wir uns? wähnten es gut und klug?
Da wirs taten, warum schröckte, wie Mord, die Tat?
Ach! wir kennen uns wenig,
Denn es waltet ein Gott in uns.


Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"