sábado, 27 de dezembro de 2014

Despedida

Despedida

Sai para nosso encontro naquela tarde, fui disposta a lhe dizer que não a queria ver mais naquele lugar espremidinho e asséptico. No Natal havia ficado o vácuo da sua ausência. Ao chegar, notei que naquele espaço pequeno havia mais apetrechos  que me fizeram intuir que havia tido uma luta pela vida. Mostravam ter reativado o coração. Olhei o enfermeiro de plantão e ele parecia não ter palavras pra me dizer. Apenas me falou que o responsável se encontraria comigo ao final da visita. Meus olhos vasculharam o ambiente à procura de outros sinais. Fixei-me no corpo que ali estava deitado. Olhos fechados, respiração difícil. Enfiei minhas mão debaixo das cobertas, como sempre o fazia a cada visita, procurando o calor das suas mãos e do seu colo e não o encontrei. Meu coração ficou miudinho no meu peito, parecia que até o ar escapulira daquele lugar. Isso me deu coragem e para lhe dizer: 

Mãe, não é isso que quero pra você. Não quero vê-la assim nesses aparelhos, deitada nessa cama sem seu riso gargalhante, sem os abraços apertados, sem seu olhar  feroz por causa das nossas brincadeiras...  Lá em casa está tudo ajeitado. Os meninos já não precisam de cuidados, já estão encaminhados. E que fora a saudade eu estava bem. Fui taxativa e lhe disse que podia ir.

Ao sair, fui ter me com o médico de plantão. Ele me disse com olhar atento: na medicina se temos uma porta pra abrir, a gente abre. Se tivermos janelas também vamos buscar saídas...  E que  tudo o que poderia ser feito, havia sido feito.

Sai de lá um tanto aérea. Um tanto não eu.

Chegando em casa, telefonei e avisei parentes e amigos que poderiam vir se despedir. Cada um tinha um pouco de médico e de curandeiro para adiar aquele momento. Ouvi-os e depois de um banho relaxante, fui dormir.

Mal havia me ajeitado pra dormir, depois de chorar nos braços que me abraçavam, o telefone tocou. Recusei-me a atendê-lo. Aquela notícia eu jamais quisera ouvir.

Já faz onze anos deste adeus. Sinto a ausência, mas lembro dos risos, dos abraços, das histórias que contava, do sabor de seu tempero, do su cheiro, do som da sua voz. Lembro de seu nervosismo e de como me exemplava e das surras de carinho que me dava. É assim que ela permanece (é) terna!


Maria do Carmo Barbosa Galdino

Madu Galdino 27/12/2014

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Presentes!

Presentes!
Presente no meu aniversário!

O que poetizam... (pra mim e de mim)

Poema

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora, leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

(Manoel de Barros)



E X A U S T O


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente
Muito mais que raízes.

(Adélia Prado)

Poema de Mario Quintana em A cor do invisivel

Há três coisas cujo gosto não sacia
o pão, á água e o doce nome de Maria.


One Art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

(Elizabeth Bishop)

Die Liebenden
Friedrich Hölderlin

Trennen wollten wir uns? wähnten es gut und klug?
Da wirs taten, warum schröckte, wie Mord, die Tat?
Ach! wir kennen uns wenig,
Denn es waltet ein Gott in uns.


Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"